domingo, 13 de novembro de 2011

Onde habitam as sombras

Na mais completa e profunda escuridão, o velho Jerônimo contou ao visitante que mostraria o lugar onde as sombras habitavam, em sua residência. Ainda contaminado por um descrédito imensurável, Olavo soltou o ar pelas narinas, demonstrando impaciência, e comunicou que já havia esperado a última hora inteira no mais escuro dos breus, porém o anfitrião ainda não havia revelado o local onde as ditas sombras viviam.


O visitante havia sido conduzido àquela pequena sala por Jerônimo, o cego, que residia sozinho naquela pobre vivenda há muitos anos. O mais velho avisou:

— Olavo, você bem sabe que prezo muito sua amizade. E ratifico meu agradecimento a você por atender meu chamado.

Subitamente, após uma pausa, o idoso declarou:

— Meu fim está perto. Este fraco coração que bate em meu peito e minha idade avançada me derrubarão em pouco tempo.

— Pare com isso, Jerônimo - interveio o convidado. - Você não vai morrer agora. O doutor Eliseu está lhe assistindo. Ele é um ótimo médico e lhe visita aqui em sua residência há muitos anos...

— Não há muito o quê fazer - o velho interrompeu, bruscamente. - Atualmente a medicina é tão incipiente que ainda recorre às ervas medicinais. Temo que por toda essa década de setenta nada poderá ser feito. E meu fatigado corpo não suportará mais quatro anos, isto é, não conseguirei atingir a próxima década. Mesmo assim serei feliz quando morrer.

— Não diga isso, caro amigo. Lute pela vida.

— Nobre amigo, eu já tentei essa alternativa. No meu atual estado, é somente uma ilusão. Um perverso delírio inalcançável. Por agora, só preciso que você veja as sombras e passe a acreditar em suas existências. Elas ditarão os caminhos, a partir desta data. E se você ousar combatê-las, seus olhos serão cingidos e inominável dor tomará conta de suas órbitas.

A conversa prosseguia na escuridão.

— Podem até existir, afinal, ao se fazer um jogo de luz, elas surgirão. Mas não creio deste ponto em diante. Não creio que elas possuam vida própria. Não creio que elas são más. Não creio que elas se destacarão das paredes e virão ao nosso encontro. Não creio em nada disso. Para mim, são somente meras acompanhantes.

— Ouço o timbre de sua voz, amigo. Está insuflado por um sentimento que tive há anos, quando as conheci. O medo! Mas, em parte, você tem razão. Elas nunca se destacarão das paredes - Olavo riu nervosamente. Era seu único recurso contra a certeira afirmação do outro. O velho Jerônimo continuou:

— Vou acender a vela - o velho, mesmo cego, teve certa agilidade para encontrar a vela que jazia sobre o antigo candelabro, na mesa.

— Peço ao amigo que me perdoe. Rogo que não guarde rancor deste velho que não enxerga.

— Acenda! - a voz de Olavo vacilou de medo.

Jerônimo riscou o fósforo e Olavo viu os olhos, cujas escleróticas tendiam para um matiz amarronzado, e as íris, coloridas com um triste azul opaco, do ancião. Do antigo e pálido rosto, depreendia-se que havia passado por anos e anos de sofrimento e clausura. Então, algo chamou a atenção do visitante. Um reflexo enegrecido passara - tão rápido como um piscar de olhos - da íris direita para a esquerda, do velho Jerônimo. Instantaneamente, Olavo empertigou-se na deletéria cadeira, fazendo-a arrastar-se um pouco no chão empoeirado.

— O que foi isso nos seus olhos? - o visitante sussurrou, fazendo a chama tremeluzir com o ar expelido por sua fala.

Enquanto Jerônimo fazia a chama do palito arder o barbante crestado da vela, emitiu um sorriso que mostrou a gengiva desprovida de dentes e logo em seguida revelou:

— São elas. Como disse, em parte você estava com a razão. Imaginou que estavam na sala? Chegou a ponderar que elas poderiam utilizar as paredes e o chão para se locomoverem? Achou que viviam ao meu derredor? Enganou-se, estimado amigo. São parte de mim há décadas. Obumbraram-me a visão por anos e anos. E com o fim, abençoadamente próximo, desse corpo senil, é imperioso - para o bem de minha alma - que as entregue a outro, digamos... guardião. Perdão, nobre amigo, mas é assustadoramente necessário. Elas querem. E quando elas querem e não são atendidas... a dor se avizinha.

No segundo seguinte, um feixe tão escuro quanto a noite saltou dos olhos do velho Jerônimo em direção as íris castanhas de Olavo. Este nada fez, apenas permaneceu entorpecido com o bailar ondeado e nefando que lhe toldava a visão. A cabeça do visitante continuou ereta, mas a pele certamente envelheceu alguns bons anos após a transposição das forças sobrenaturais. Os olhos do novo mantenedor do mal ficaram iguais aos de Jerônimo. Com o rosto encovado, Olavo não conseguiu ver, pois já estava cego, mas o cadáver de Jerônimo, num movimento espasmódico, caíra da cadeira e começara a enroscar-se em si mesmo, como se estivesse sendo revirado para dentro de si, qual um pedaço de plástico se comporta ao ser atirado ao fogo. Os ossos quebraram paulatinamente, o cadáver encolheu rapidamente até que sumiu. A tudo o novo guardião ouviu com atenção e horror.

Para Olavo só restaria esperar o momento em que as sombras desejariam deixá-lo e ingressar em novo corpo. Com sorte e com o passar dos anos, ele poderia convidar o doutor Eliseu e apresentar aquele antigo mal que naquele maquiavélico momento maculava seus olhos e administrava suas ações.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Espaço da Fé

Foi na metade do ano de 1995 que um evento intrigante e bizarro aconteceu aqui na minha cidade.
Aqui no brasil, mesmo com o avanço da televisão nas casas era normal as famílias terem um aparelho de rádio para ouvir estações de música e as vezes noticiários.

Porém na minha região eu e meus amigos daquela época tínhamos o costume de procurar rádios piratas. Normalmente a qualidade do som era péssima e conversas eram voltadas sobre equipamentos ou sobre outros assuntos em relação como fazer uma transmissão de radio.

Mas tinham algumas rádios mais undergrounds que tocavam um rock mais pesado porém era raras e de péssima qualidade de som. Entretanto a nossa favorita era "O espaço da fé".

Era um programa evangélico sem hora certa. Nesse programa o apresentador que devia ser um pastor ou algo assim, falava com sua voz nervosa e acusativa sobre pactos e acordos satânicos das celebridades. Alguns amigos mais novos acreditavam, porém eu e outro que era mais velhos dávamos risada e ficávamos observado inocência do povo. O cara tocava as músicas para trás de alegava que os ruídos bizarros eram frases. Cada um de nós tínhamos normalmente uma ideia de que o som deveria significar e o cara da rádio dizia que conseguia ouvir outra frase claramente na música, sendo normalmente não batia com as nossas.

Com o tempo começamos a fazer o jogo de quem adivinhava que o radialista estava ouvindo. Alguns meses depois de descobrimos a frequência ele começou um novo programa, algo mais light que era um programa em que pessoas que se estavam ou fingiam estar de desesperada ligavam para esse homem pedido conselhos ou ajudas. Os problemas iam desde um gatinho desaparecido(rimos e muito do clichê) ao extremo de um filho tinha levado tiro de doze na cara mas ainda estava vivo. Então com sua voz imponente e intimidadora o pastor falava que o infortunado precisava aceitar Jesus na sua vida senão o diabo ainda teria direito de fazer males cada vez pior. Algumas semanas depois começaram a ligações de agradecimento, dizendo que milagre tinha acontecido sendo normalmente coisas extremas como ter se curado da Aids ( na época a gente nem sabia o que era isso direito), recuperado a fertilidade ( o cara com voz de vô disse com essas palavras ), entre outras bizarrices que não consigo me lembrar.

Mais para metade do outro ano começou uma história de fazer exorcismo via o telefone. Ouvindo algumas pessoas meio que chorando ou fingido que pedia para ser exorcizados, Eu ria disso porque era mais um programa de comedia do que algo sério... Porém. Teve uma noite que após de ter garantir o emprego a uma mulher caso ela converte-se(acho que era isso, a mulher tinha voz engraçada...se não foi anterior deve ter sido penúltima.), uma garota de em torno 15 á 17 anos (estou chutando pelo que lembro da voz) ligou para ele.Bem o Dialogo foi mais ou menos assim se não falha a memória.

Garota: Boa noite senhor. ( Pensamos que ele iria dizer de novo que senhor era só deus.)

Radialista: Boa noite filha de Deus.

Garota: Todos somos...

Radialista: Mas o que vem procurar aqui minha jovem. Qual o mau que te aflige.

Garota: Tem gente que vem falando algumas mentiras sobre mim e minha família...me sinto perseguida..

Radialista: Filha, aceita Jesus que ele ira realizar um milagre em sua vida.

Garota: O povo me culpará de qualquer forma...eles não aceitam a responsabilidade de suas ações...E ainda tem gente promove isso.

Radialista: Os impuros que fazem isso pagaram por isso.

Então começou uns barulhos e interferência no telefone da menina.

Garota: O mau ira levar essas pessoas para pagar pelos seus crimes.

Radialista: Quem não tem a piedade do Senhor no coração sentira a fúrias da chamas das trevas.

Garota: Ódio também pode ser considerado---

Radialista: Qualquer um que use mentiras em proveito de si próprio será punido.

As interferências ficaram mais forte quando ele afirmou a punição pela segunda vez...começamos a ouvir vozes. Ficou uma sensação tensa com meus amigos da rua.

Garota: Então todas mentiras você falou sobre diversas pessoas me dá liberdade para te levar para sua posição...Você semeia odeio de todas as formas porém sua mentiras já não funcionam como antigamente...Além de andar me desafiando....

Radialista: Garota, pare com essa brincadeira.

A voz da garota engrossou, não a ponto parecer como um porco, mas algo mais macabro que fazia parecer demônio. Não me lembro direito o que ela disse, só sei que depois disso começou haver um som de fogo no seguidos de ruídos mais altos ao ponto de ter quase certeza que eram vozes, porém não conseguia entender suas falas. A estação caiu. Depois de um mês ela voltou com novo apresentador que não tocou no assunto do que aconteceu com anterior.