sexta-feira, 19 de abril de 2013

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Presumo que para você, leitor, deve ser comum parar tudo que faz para atender um telefonema. Um telefonema? Não digo um comum. Este tipo de telefonema é mais elaborado - complexo. Ocorre em raras ocasiões.

Geralmente, diz coisas importantes, por isso não é bom ignorá-lo. Quem está do outro lado da linha também é importante, mas acima de tudo, sua resposta é vital.

Presumo que não entenda o que digo. Vou simplificar melhor. 

Desde que o telefone existe, a comunicação evoluiu de tal forma que notícias e mensagens que ocorreriam em meses levam apenas segundos para serem trocadas. Seu tio comprou uma casa nova? O cachorro do seu primo morreu? Tudo isso em questão de segundos. Não é mais novidade.

Entretanto, "A Ligação" começou a acontecer nos anos 90, quando os telefones fixos conheciam um de seus primeiros fins: os celulares. As ligações ocorriam durante as tardes vazias dos donos do telefone. Quando atendiam, não ouviam nada - ou se ouviam, era apenas uma respiração ou o chiado de fundo das linhas. Ligações desse tipo eram consideradas enganos pela maioria... Contudo, ninguém pensa na voz ansiosa e no ouvido aguçado do outro lado da linha... Oh... Não.

Nesse tipo de telefonema, a pessoa certa tem de atender na hora certa e falar a coisa certa. 

Com o passar do tempo, houve a popularização dos celulares. As pessoas passaram a abandonar o telefone fixo para terem um celular - em prol dos negócios e da carreira pessoal. Mesmo assim, ainda haviam pessoas com o tão "aclamado" fixo. Com a diminuição de telefones fixos, houve um aumento de "Ligações" - as tais ligações especiais que tanto cito.

Dessa vez, passaram a ocorrer por volta do começo ao fim das tardes - raramente às noites. Quem telefona, ansiosamente espera que a isca certa atenda o telefone. Entretanto, isso exigia mais e mais ligações.

Apesar de tudo, o método não exigia tanta preparação dos aparelhos necessários: após ligar o canal de comunicação, era apenas recitar os mantras proibidos enquanto a isca atende seu telefone, sem se dar conta da captura da alma. O importante é ouvir sua voz, canalizá-la e identificá-la. Dessa maneira, a "safra" é garantida. Diria que esta é a parte mais complicada, uma vez que o timbre da voz de cada pessoa é diferente, diferenciando um do outro, garantirá a captura da alma correta.

Devo admitir que ser um "pescador de almas" é realmente complicado, quiçá, um ofício de paciência: não admira que os métodos de capturar almas tenha evoluído a ponto de captarmos a voz de nossa isca por meio da ressonância dos fios do telefone. É um método curioso criado pelas criaturas do outro mundo em busca de alimento e energia vital - tão rara e necessária nos planos inferiores. 

Você não ouve nada porque é incapaz de ouvir. Somos capazes de falar em seu ser. Falamos coisas importantes, por isso, não desligue o telefone quando o telefonarmos.

Saberá que sou eu quando ouvir o nada. Apenas uma respiração, um chiado... O próprio silêncio. O número estranho que aparece para ti, o número que o assombrará.

E por favor, não fique quieto, sua voz é suave - e delicia-me ouvi-la.